Os californianos estão sofrendo uma seca histórica, os brasileiros estão racionando água e o deserto do Atacama no Chile está rastejando para o sul.
Agora as nações caribenhas da Jamaica a Trinidade que têm rezado por chuva estão contando suas perdas.
O Caribe, uma região vulnerável a furacões devastadores, está sofrendo sua pior seca em, pelo menos, cinco anos devido ao padrão climático El Niño.
O fenômeno, que secou os campos de trigo do Canadá, causou alta nos preços de óleo de palma e ameaça aumentar a inflação global de alimentos, está deixando algumas ilhas com apenas metade de suas precipitações médias.

Porto Rico reduziu o acesso à água para quase 350.000 clientes.
Os produtores de manga dominicanos estão produzindo menos da metade das mais de 100 variedades que cultivam devido à escassez de chuva e à dependência de sistemas de irrigação.
Na Jamaica ocidental, um incêndio agravado pelas condições de seca destruiu centenas de acres do famoso café Blue Mountain.
“A Califórnia recebe toda a atenção, mas no Caribe a situação é pior porque o transporte de água em larga escala não é possível de forma alguma”, disse Toby Ault, professor no departamento de Ciências Atmosféricas e da Terra da Universidade Cornell, que monitora o Caribe.
Mesmo se a temporada de chuva que começa em 1º de junho trouxer alívio temporário, os pesquisadores acreditam que o Caribe está entrando em um período de seca estendida nunca visto antes.
Racionamento expandido
Com quase 1,6 milhão de pessoas afetadas pela seca e 12 dos 22 rios que abastecem asRESERVAS em baixas recordes, Porto Rico, em 6 de junho, adicionou mais 40.000 clientes aos 307.000 que já recebiam água em dias alternados ou a cada três dias.
Dias antes, a Jamaica fechou algumas torneiras durante a noite na capital Kingston e cortou a água de moradores na cidade adjacente de Portmore durante o dia.
A seca no final do ano passado causou grande dano na agricultura, aprofundando dois trimestres consecutivos de contração econômica na ilha.
Na República Dominicana, “há pessoas em algumas comunidades em Santo Domingo que não têm uma gota nos canos há um mês”, disse Janina Segura, que coordena o departamento de Recursos Naturais do Centro para Agricultura e Desenvolvimento Florestal.
“Tem estado muito seco para fazendeiros plantarem grãos básicos como feijão preto e culturas de exportação, como mangas, tiveram enormes perdas”.
Na cidade de Bani, no sudoeste dominicano, leitos de rios secaram, expondo pedras afiadas e areia branca, e nenhuma água está correndo pelo canal construído para abastecer os produtores de uma das variedades mais populares de manga do país, a Banilejo.
Na fazenda de Andrés Mejía, as árvores não estão florindo.
“Colheita Perdida”
“A fruta não vai se desenvolver”, disse Mejía, presidente da Associação dos Produtores de Manga Bani. “Se não começar a chover logo, o cultivo de exportação será perdido”.
Há, pelo menos, 90 por cento de chance do El Niño, causado pelas temperaturas acima da média na superfície do mar ao longo da costa do Pacífico Equatorial da América do Norte, durar até o próximo inverno e 80 por cento de chance de que ele dure até a primavera de 2016, de acordo com a Administração Nacional Atmosférica e Oceânica dos Estados Unidos.
Da Jamaica, passando pelas pequenas ilhas do Caribe oriental sul, até Trinidade e Tobago, a perspectiva de seca irá continuar até setembro, de acordo com o Instituto de Meteorologia e Hidrologia do Caribe comBASE em Barbados.
Mesmo se chuvas trouxerem períodos de umidade é improvável que seja suficiente para reabastecer rios e reservatórios, disse Ault. Ao invés disso, ele vê a seca deste ano sendo replicada em anos futuros.
“Muito do que está acontecendo neste ano no Caribe está relacionado ao El Niño”, disse ele.
“Mas o que a mudança climática pode fazer é dar mais peso aos dados tornando mais prováveis as secas plurianuais e multidécadas”.  


cartamaior.com.br
14/07/2015 - Copyleft

Extremos climáticos escancaram as desigualdades sociais

Áreas que poderiam ser consideradas sob risco vêm sendo ocupadas por grupos sociais de menor poder econômico e político, por falta de alternativas.


Najar Tubino
Bob / Flickr
Um documento de 56 páginas recém lançado pela Organização Pan-americana de Saúde e a Organização Mundial de Saúde em parceria com o Ministério da Saúde e da Fiocruz, chamado “Desastres naturais e saúde no Brasil” registra o seguinte:

“- Os desastres evidenciam as condições latentes de vulnerabilidade socioambiental que se encontram relacionadas às desigualdades sociais, econômicas e ambientais afetando, principalmente, as populações e países pobres. Essas desigualdades se materializam na exposição das populações expostas a estes eventos, nas consequências mais graves sobre a saúde e sobre as condições de vida e na baixa capacidade de governança para estratégias de redução de risco e construção de resiliência.”

Traduzindo em números: 96% das populações expostas e 95% dos óbitos ocorrem em países com renda per capita menor que US$3.705 ao ano. A maior parte dos eventos climáticos no mundo é de origem meteorológica e hidrológica, como tempestades e inundações e afetaram mais de 102 milhões de pessoas no mundo em 2012. Os terremotos mataram 680 mil pessoas entre 2000 e 2010 e também retratam a desigualdade social – habitações precárias – como no caso chileno recente – 8.8 na escala Richter, duração de três minutos e 577 mortes e o do Haiti, entre 7.0 e 7.3 na escala Richter, 35 segundos de duração, uma quantidade de energia 500 vezes menor, que resultou em 222.570 mortes.

Quase 100 milhões de pessoas atingidas

No Brasil, entre os anos 1991-2012, período analisado no documento, 54% dos eventos climáticos é de origem climatológica, como seca e estiagem, seguido pelos de origem hidrológica, como inundações bruscas e alagamentos graduais, com 34%. A Secretaria Nacional de Defesa Civil no período entre 2003-2012 registrou 31.909 desastres naturais, que afetaram a vida de 96 milhões de pessoas, obrigando que mais de seis milhões deixassem seus lares. Sem considerar os impactos de médio e longo prazo, foram registrados quase 3,5 mil óbitos e quase 500 mil pessoas ficaram enfermas ou feridas. As enchentes afetaram quase 39 milhões de pessoas nesse período.

O documento também constata um aumento considerável nos desastres naturais que atingiram a América Latina e o Caribe nos últimos 40 anos. Comparam os períodos de 1970-1979, quando foram registrados 216 desastres e 43 milhões de pessoas afetadas e 2000-2009, com 922 desastres, com um impacto cada vez maior de furacões, terremotos e inundações, que atingiram 71 milhões de pessoas. No Brasil, como o extremo climático envolve a seca, a região mais atingida foi o Nordeste, onde 75% dos municípios decretaram situação de emergência. As cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre em 2014 registraram as temperaturas mais elevadas em 70 anos e a região amazônica sofreu uma das maiores inundações dos últimos anos.  

Desastres mais frequentes e graves

“- Sinais de que os desastres naturais podem se tornar cada vez mais frequente e ou mais graves, do que já vem ocorrendo, através de diversos eventos. Em 2005 e 2010 secas atingiram o estado do Amazonas, uma das regiões de maior disponibilidade hídrica do país e do planeta. Em 2009 e 2012, este mesmo estado sofreu inundações graduais que superaram os níveis históricos. Em 2011 a região serrana do Rio de Janeiro foi atingida pelo mais grave em termos de óbitos com quase mil mortos,” analisam os pesquisadores do documento da OPAS-OMS.

Entretanto a situação tem agravante, conforme o nível econômico da população:

“- O impacto do processo de aquecimento global é aumentado por fatores como as mudanças no uso do solo, provocando alterações ambientais, que podem levar ao agravamento dos desastres. Por outro lado, áreas que poderiam ser consideradas sob risco vêm sendo ocupadas por grupos sociais de menor poder econômico e político, por falta de alternativas”, complementam os pesquisadores.

São Paulo lidera em número de cortiços, barracos e casebres

A falta de infraestrutura na maioria das cidades nos países em desenvolvimento complica o quadro socioambiental, quando se trata de mudanças climáticas. Mas uma coisa chama a atenção. Segundo o IBGE (2010) 6% da população brasileira, ou seja, 11.425.644 pessoas vivem em “aglomerados subnormais” distribuídas em 3.224.529 domicílios particulares. Quase a metade dos cortiços, casebres e barracos, as habitações subnormais da burocracia estatística, se concentram no Sudeste, a região mais rica do Brasil – 49,8%. Mais escandaloso ainda é a liderança do estado de São Paulo com 23,2% dos cortiços, casebres e barracos do país. A região nordeste tem 28,7% desse total e o norte 14,4%, com destaque para o Pará, que mantém 10,1% das habitações “subnormais”.

Os desastres naturais são um dos grandes desafios da saúde pública no mundo, não somente no Brasil ou na América Latina. É claro que a questão é maior para os países em desenvolvimento, em razão do sistema econômico adotado, penalizado pelo capitalismo esclerosado, que só beneficia o 0,1% da elite mundial. Mesmo nos países ricos, as populações desfavorecidas sofrem igualmente. O caso explícito dessa situação são as ondas de calor que continuam atingindo a Europa. No dia 1º de julho último os termômetros bateram nos 40 graus centígrados em Toledo, na Espanha, consequência de uma onda de calor oriunda da África. Paris registrou 39,7ºC e Londres 35,7ºC. A Organização Mundial de Saúde e a Organização Meteorológica Mundial divulgaram o documento “Ondas de Calor e Saúde – orientações sobre o desenvolvimento de sistemas de alerta”, para que os governos agissem nos casos de emergência.

Onda de calor continuará na Europa

“_ Muitas regiões da Europa têm sido afetadas, desde o dia 27 de junho, por uma onda de calor severa e incomum para a temporada, anunciou a Organização Meteorológica Mundial no dia 6 de julho. Além do continente europeu, as temperaturas recordes já provocaram incêndios florestais na América do Norte, tempestades torrenciais e inundações no sul da China e mortes no Paquistão. É notório que o tempo entre as principais ondas de calor – 2003, 2010 e 2015 – é cada vez mais curto”.

A previsão da OMM para o verão europeu é que as temperaturas anormais e o clima seco continuarão. Na Índia, em maio deste ano, mais de duas mil pessoas morreram em consequência da onda de calor. No Paquistão, em junho, foram mais de 1.200 mortes, decorrentes da onda de calor. A França lançou o alerta laranja do seu Plano Nacional de Prevenção ao Calor Extremo em 47 dos 95 departamentos – o alerta considera as temperaturas altas, acima da média, por três dias consecutivos.

França e a tragédia de 2003

Porém, o plano francês é o resultado da tragédia ocorrida em 2003, na época do governo Jacques Chirac, que estava de férias no Canadá, enquanto os agentes de saúde contabilizam mais de 10 mil mortes, a maioria de idosos. Este caso de 2003 na França, onde foi mais grave, e em Portugal faz parte de uma publicação da Universidade de Coimbra (2013), onde o economista José Manuel Mendes analisa o fato.

“- O verão de 2003, o mais mortífero em tempos de paz, causou uma grande devastação e irá ficar assinalado no nosso tempo histórico como um tempo de fractura, de ferida civilizacional.”

As temperaturas começaram a subir no dia 4 de agosto e continuaram assim até 12 de agosto, considerado o ponto máximo. A sobremortalidade, como os franceses traduziram a tragédia, atingiu 15.630 pessoas e outras 2.310 em Portugal, 5.290 na Espanha e 5.680 na Itália, totalizando mais de 70 mil mortes na Europa. Em Paris, nem o governo estava preocupado, nem a imprensa dava a exata dimensão do que estava ocorrendo. Não havia lugar para conservar os cadáveres, muitos já putrefatos, porque foram descobertos posteriormente.

Foram requisitados os armazéns frigoríficos do mercado central de distribuição de Paris. Muitos foram enterrados como indigentes, alguns identificados, mas as famílias não se interessaram em buscar informações. Também requisitaram caminhões frigoríficos para transporte e armazenagem de cadáveres. Os franceses produziram 11 relatórios sobre a tragédia, três deles políticos e um relatório inquérito da Assembleia Nacional.

Os europeus ficaram chocados pelo descaso ocorrido com milhares de idosos e com a falta de providência, de planejamento e ação do governo conservador, que não está nem aí para os vulneráveis. Os jornais e demais veículos da mídia cobriam apenas a questão meteorológica, esquecendo que a materialização das mudanças climáticas afeta a população humana. Assim como não veiculam a informação fundamental da longevidade do gás carbônico na atmosfera, que lá permanecerá por milhares de anos.