As mudanças
climáticas estão tão rápidas, que os modelos climáticos feitos pelos
supercomputadores atuais já não se adaptam a nova realidade.
SCIENTIFIC AMERICAN
Brasil
Mudança Climática Brusca
Temperaturas que despencam 10ºC no inverno e secas
repentinas que fustigam plantações ao redor do globo não são só
sensacionalismo cinematográfico. Transformações drásticas desse tipo já
aconteceram no passado - às vezes em poucos anos
Richard B. Alley
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Alterações repentinas no clima terrestre são inevitáveis |
No filme-catástrofe hollywoodiano O dia depois de amanhã, uma tragédia
climática de proporções gigantescas pega o mundo de surpresa.Milhões de
americanos fogem para o ensolarado México enquanto lobos perseguem as
poucas pessoas que se amontoam numa Nova York totalmente congelada.
Tornados assolam a Califórnia. Pedras gigantes de granizo despencam
sobre Tóquio.
Mudanças climáticas avassaladoras e abruptas do
gênero podem mesmo acontecer em um futuro próximo ou trata-se apenas de
exagero dos estúdios Fox? A resposta a ambas as questões aparentemente é
sim. A maioria dos especialistas em clima acredita que não precisamos
temer uma era glacial completa nas próximas décadas. Mas mudanças
climáticas repentinas já ocorreram antes e poderiam ocorrer de novo. Na
verdade, elas provavelmente sejam inevitáveis.
E também
inevitáveis são os desafios que trarão. Ondas de calor podem tornar
certas regiões mais hospitaleiras, mas aumentariam o calor já sufocante
de outros lugares. Secas graves poderiam tornar estéreis terras que já
foram férteis. Essas conseqüências seriam particularmente duras de
suportar porque mudanças climáticas que acontecem de repente geralmente
persistem por séculos ou até mesmo milênios. De fato, considera-se hoje
que o colapso de algumas sociedades antigas - antes atribuído a forças
políticas, econômicas e sociais - tenha sido causado principalmente por
flutuações rápidas no clima.
O espectro da mudança climática
abrupta tem estimulado estudos científicos sérios há mais de uma década,
mas só recentemente capturou o interesse dos cineastas, economistas e
políticos. Com essa atenção maior vem uma confusão crescente sobre o que
dispara esse tipo de mudança e quais seriam suas conseqüências.
Observadores
fortuitos poderiam supor que viradas repentinas no clima diminuiriam
qualquer efeito do aquecimento global induzido pelo homem, que vem
ocorrendo gradualmente. Mas novas evidências indicam que o aquecimento
global deveria, mais do que nunca, encabeçar a lista das preocupações:
ele poderia facilitar que variações repentinas afetassem o clima da
Terra.
É possível que os cientistas nunca tivessem verificado para valer a
capacidade de variação do clima terrestre se não fosse por algumas
amostras de gelo, extraídas no começo da década de 1990 das calotas
glaciais da Groenlândia. Esses cilindros colossais - alguns com três
quilômetros de comprimento - preservam um conjunto claro de registros
climáticos, que engloba os últimos 110 mil anos. Podem-se distinguir
camadas depositadas todos os anos nos cilindros e datá-las usando vários
métodos; a composição do gelo, por si só, revela a temperatura em que
ele se formou.
Esse trabalho revelou uma longa história de loucas
flutuações no clima - longos períodos de frio alternados com breves
intervalos de calor. A região central da Groelândia enfrentou quedas de
temperatura da ordem de 6oC em poucos anos. Por outro lado, atingiu
metade do aquecimento que ocorre desde o pico da última era glacial -
mais de 10oC - em uma só década. Esse salto, há cerca de 11.500 anos,
equivale a Minneapolis ou Moscou passarem a ter as condições
relativamente agradáveis de Atlanta ou Madri.
As amostras de gelo
não revelam apenas o que aconteceu na Groenlândia. Também dão pistas
sobre a situação no resto do mundo. Alguns pesquisadores conjeturavam
que o aquecimento de 10oC ali esteve ligado a um evento que esquentou
boa parte do Hemisfério Norte, e que esse episódio aumentou a
precipitação naquela área e em muitos outros lugares.
Na
Groenlândia, a espessura das camadas de gelo mostrou, de fato, que a
quantidade de neve havia dobrado em um ano. Análises de bolhas de ar
aprisionadas no gelo corroboraram a previsão de aumento da umidade em
outras áreas. Medições da quantidade de metano nas bolhas indicam que
esse gás dos pântanos estava entrando na atmosfera 50 vezes mais rápido
durante o aquecimento intenso. O metano provavelmente entrou na
atmosfera devido ao alagamento dos charcos nos trópicos e seu degelo no
norte.
Os cilindros de gelo também ajudaram os cientistas a
preencher outras lacunas. Camadas de gelo que aprisionaram poeira da
Ásia indicaram a fonte dos ventos mais constantes, por exemplo. Eles
provavelmente eram mais calmos nas épocas de calor, porque menos sal
marinho e cinzas de vulcões distantes carregados por eles se acumularam
no gelo.
Episódios intensos e abruptos de aquecimento aparecem mais de 20 vezes
no registro climático do gelo da Groenlândia. Várias centenas ou
milhares de anos após o começo de um período de aquecimento típico, o
clima revertia para um resfriamento lento, seguido por um resfriamento
rápido, em intervalos tão curtos quanto um século. Então, o mesmo padrão
se repetia, com outro período de aquecimento, com talvez apenas alguns
anos. Durante as condições mais extremas de frio, icebergs chegavam à
costa de Portugal. É provável que desafios menores do que esses tenham
expulsado os vikings da Groenlândia durante o período frio mais recente,
chamado de Pequena Idade do Gelo, que começou por volta de 1400 d.C. e
durou 500 anos.
Esse esquenta-esfria violento observado no norte
aconteceu de forma diferente em outras partes do mundo, ainda que todos
os fenômenos possam ter tido uma raiz comum. Épocas frias e úmidas na
Groenlândia estão ligadas a condições climáticas particularmente frias,
secas e ventosas na Europa e na América do Norte; também coincidiram com
clima quente incomum no Atlântico Sul e na Antártida.
Evidências
também revelaram que mudanças abruptas nas chuvas causaram problemas
que rivalizavam com as oscilações de temperatura. Épocas frias no norte
traziam secas à África Saariana e à Índia. Há cerca de 5.000 anos, uma
seca repentina transformou o Saara de uma paisagem verdejante pontilhada
de lagos no deserto arenoso que é hoje. Dois séculos de seca há cerca
de 1.100 anos aparentemente contribuíram para o fim da civilização maia
no México e na América Central. Em tempos modernos, o fenômeno El Niño e
outras anomalias no Pacífico Norte podem modificar os padrões
meteorológicos a ponto de gerar secas como a que causou o Dust Bowl,
período de seca grave que ocasionou a perda da camada superior do solo e
provocou grandes tempestades de poeira nos EUA na década de 1930.
Sejam
ondas de frio, calor ou secas prolongadas, as mudanças climáticas do
passado aconteceram basicamente da mesma forma: uma alteração gradual de
temperatura ou outro agente físico empurrou algum fator determinante
para um limite crítico invisível. Depois de cruzada a barreira, esse
fator - assim como o clima todo - escorregou para outro estado e,
normalmente, nele permaneceu por muito tempo .
Cruzar um desses
limites de equilíbrio climático é como balançar uma canoa. Se a pessoa
senta dentro de uma canoa e pende aos poucos para um lado, a canoa vai
junto. Ela está sendo levada a um limite - a posição após a qual o barco
não consegue mais ficar reto. Se pender demais para o lado, a canoa
vira.
As viradas climáticas mais extremas da história aconteceram quando esses
limites foram ultrapassados, o que aponta para áreas particularmente
preocupantes no futuro. Para explicar os intervalos anormalmente frios
registrados nas amostras da Groenlândia, a maioria dos cientistas sugere
alterações no comportamento de correntes no Atlântico Norte, fator
dominante nos padrões meteorológicos dessa região a longo prazo.
O
leste da América do Norte e a Europa gozam de clima temperado (como o
de hoje) quando as águas do Atlântico, aquecidas pelo Sol, fluem para o
norte através do Equador. Durante o inverno setentrional, a água salgada
que vem do sul se torna fria e densa o bastante para afundar a leste e a
oeste da Groenlândia, e depois migrar de volta ao sul pelo leito
oceânico. Enquanto a água resfriada afunda, correntes quentes originadas
no sul fluem para o norte e tomam o lugar delas. A água que afunda, por
sua vez, movimenta a chamada circulação convectiva, que aquece o norte e
refresca o sul.
Os cilindros de gelo contêm evidências de que
períodos repentinos de frio ocorreram depois que o Atlântico Norte se
tornou menos salgado, talvez porque lagos de água doce tenham
transbordado através das paredes das geleiras e chegado ao mar. Os
pesquisadores identificam esse fluxo de água doce como a primeira fase
de uma ruptura de equilíbrio, porque sabem que o aporte de água doce no
Atlântico Norte pode frear ou desligar a convecção.
Diluída pela
água que desce do continente, a água salgada do mar acaba perdendo
salinidade e fica menos densa. Pode até congelar antes de conseguir
afundar. Sem isso, a chuva e a neve que caem no norte não chegam a ser
mandadas embora pelo oceano. Elas se acumulam na superfície do mar e
diluem ainda mais o Atlântico Norte. A circulação convectiva é
desligada, deixando os continentes próximos com clima parecido com o da
Sibéria .
Calor de Gelar
Oito mil anos se passaram desde a última grande
onda de frio no Atlântico Norte. Será que os seres humanos estão jogando
o seu peso do lado certo para evitar que a canoa do clima vire? Talvez,
mas a maioria dos climatologistas suspeita que estejamos deixando o
barco ainda mais instável. Especialmente preocupante é o aumento,
induzido pelo homem, das concentrações de gases-estufa na atmosfera, que
provocam o aquecimento global.
O Painel Intergovernamental sobre
Mudança Climática (IPCC), órgão ligado à ONU, previu em seu último
relatório que as temperaturas médias globais subirão de 1,5oC a 4,5oC
nos próximos cem anos. Muitos modelos de computador consistentes com
essa previsão também prevêem que a convecção do Atlântico Norte perderá
força. (Pode parecer irônico, mas o aquecimento gradual levaria a um
resfriamento repentino de muitos graus.) As incertezas são muitas e,
embora uma nova era glacial seja improvável, as mudanças poderiam ser
bem maiores do que durante a Pequena Idade do Gelo, quando o Tâmisa
congelou em Londres e as geleiras rolaram pelos Alpes.
Talvez
mais preocupantes que os períodos de frio no norte sejam os efeitos
adversos que ocorreriam ao mesmo tempo em outras partes do mundo.
Registros climáticos em vastas porções da África e da Ásia que se
beneficiam de uma estação chuvosa intensa indicam que essas áreas
tornaram-se particularmente secas sempre que o Atlântico Norte ficou
mais frio. Até o resfriamento produzido por uma redução na intensidade
da circulação convectiva bastaria para disparar a seca. Já que as
lavouras de bilhões de pessoas dependem da estação chuvosa, mesmo uma
seca modesta pode provocar fome.
As conseqüências de uma futura
perda de salinidade do Atlântico Norte podem dificultar até a vida de
pessoas que vivem fora dos extremos de seca e frio. Tais projeções
fizeram com que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos encomendasse
à instituição Global Business Network uma análise das ameaças à
segurança nacional que seriam causadas pelo desligamento total do
cinturão convectivo. Muitos cientistas, inclusive eu, acham que uma
desaceleração gradual é muito mais provável que uma interrupção
completa; de qualquer forma, a gravidade das conseqüências do pior
cenário faz com que ele mereça consideração. Como afirma a Global
Business Network: "As nações com recursos podem erguer barreiras em
volta de seus territórios, preservando esses recursos para elas mesmas.
Nações com menos sorte... teriam de lutar por comida, água limpa ou
energia".
Enchentes e Secas
Mesmo que uma desaceleração da circulação
convectiva nunca aconteça, o aquecimento global pode fazer com que os
limites do equilíbrio climático sejam ultrapassados em outros lugares.
Os
cinturões verdes existentes no interior de muitos países temperados
enfrentam risco de secas prolongadas. A maioria dos modelos climáticos
prevê mais secas no verão nessas áreas, aconteça o que acontecer com o
Atlântico Norte.
As mesmas previsões sugerem que o aquecimento
causado pelo efeito estufa aumentará a precipitação média, possivelmente
sob a forma de tempestades mais severas e inundações.
Verões
mais secos fariam com que estiagens relativamente brandas piorem e
persistam por décadas. Essa transição ocorreria devido à vulnerabilidade
dos cinturões verdes: eles dependem muito da chuva que as plantas da
região reciclam, e não da umidade trazida de outros locais. As raízes
das plantas costuman absorver água que, de outra forma, atravessaria o
solo e fluiria para o mar.
Parte dessa água evapora das folhas e
volta à atmosfera. Quando a região começa a enfrentar verões mais secos,
no entanto, as plantas definham e morrem, devolvendo menos água ao ar. O
limite é cruzado quando a população de plantas encolhe a ponto de a
chuva reciclada se tornar insuficiente para sustentá-la. Mais plantas
morrem e a chuva diminui mais ainda - num círculo vicioso semelhante ao
que transformou o Saara em deserto. A região não tem dado sinais de
recuperação desde aquela época.
Os cientistas temem não ter
identificado totalmente os limites de equilíbrio que levariam a mudanças
nos climas regionais. Isso é preocupante, porque é bem provável que
estejamos causando perturbações das quais nos arrependeremos. Dançar
numa canoa não costuma ser recomendável, mas é o que estamos fazendo.
Substituímos florestas por plantações, o que afeta a quantidade de luz
solar refletida pela terra; retiramos água do subsolo, o que muda a
quantidade de líquido que os rios transportam para o oceano; e alteramos
a quantidade de gases-traço e matéria particulada na atmosfera, o que
modifica as características das nuvens e da chuva.
Encarando o Futuro
As consequëncias negativas de uma grande
virada do clima podem ser mitigadas se ela acontecer aos poucos, ou se
for esperada. Antecipando a seca, um agricultor consegue cavar um poço,
aprender a plantar culturas menos dependentes de água ou simplesmente se
mudar para outra região. Mas alterações inesperadas podem ser
devastadoras. Um único ano de seca que surja de surpresa arruinaria só
os agricultores mais pobres ou despreparados, mas o prejuízo cresce à
medida que a estiagem se alonga. Infelizmente, os cientistas têm pouca
capacidade de prever quando e como uma mudança climática abrupta
acontecerá.
Apesar das conseqüências potencialmente gigantescas
de uma alteração repentina no clima, a maioria esmagadora da pesquisa e
das políticas públicas na área tem se dedicado a mudanças graduais -
como a necessidade de reduzir as emissões de carbono para desacelerar o
aquecimento global. Embora reduções como essa provavelmente ajudem a
limitar a instabilidade climática, também deveríamos pensar em como
evitar mudanças bruscas. No limite, poderíamos decidir ignorar de vez o
risco e esperar que nada aconteça.
O despreparo afundou o
Titanic, mas vários outros navios despreparados cruzaram o Atlântico
Norte incólumes. Ou poderíamos, por outro lado, mudar nosso
comportamento a fim de tornar menos provável uma alteração catastrófica.
Novas investigações devem revelar outras ações úteis.
Uma
terceira estratégia seria fazer com que as sociedades se organizassem
para lidar com mudanças climáticas bruscas antes que a próxima surpresa
nos apanhe, como sugeriu o Conselho Nacional de Pesquisas dos EUA, ao
observar que algumas sociedades se adaptaram à mudança climática,
enquanto outras tombaram. Os colonos vikings da Groenlândia abandonaram
seus assentamentos quando o início da Pequena Idade do Gelo tornou a
vida insustentável, enquanto seus vizinhos, os esquimós de Thule,
sobreviveram sem maiores problemas. Entender o que separa a adaptação do
fracasso seria útil.
Planos para amenizar os problemas caso uma
crise se instale podem ser feitos a custo baixo ou nulo. Comunidades
podem plantar árvores agora a fim de ajudar a manter o solo durante a
próxima estação seca e ventosa, por exemplo, e fazer acordos neste
momento sobre quem terá acesso a quais recursos hídricos quando esse bem
se tornar mais escasso.
Por ora, parece que as pessoas estão
sacudindo o barco, empurrando certos aspectos do clima para mais perto
dos limites capazes de detonar mudanças repentinas.
Eventos do
gênero não causariam uma nova era glacial, nem fariam algo que
rivalizasse com a mente fértil dos roteiristas de cinema. Mas poderiam
trazer desafios incríveis para a vida na Terra. Vale a pena considerar
de que forma as sociedades aumentariam sua resistência às conseqüências
disso - ou, antes de mais nada, como evitar que a canoa vire.
fundaj.gov.br
El Niño e La Niña: Instabilidade dos fenômenos cria dificuldades nas previsões meteorológicas.
João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Alterações
na temperatura média da água do Pacífico vêm preocupando
meteorologistas do mundo inteiro. Nos anos 90 o mar ficou mais quente.
Ultimamente,
os pesquisadores do Instituto de Tropicologia da Fundação Joaquim
Nabuco têm-se preocupado com as conseqüências advindas dos fenômenos El
Niño e La Niña sobre o clima do território nacional, em especial da
região Nordeste.
Inicialmente, com o intuito de avaliar a influência
desses fenômenos sobre o comportamento do período seco que se instalou
sobre a região Nordeste no ano de 1998, os pesquisadores vêm
acompanhando, sistematicamente, as informações geradas no Centro de
Previsão de Tempo e Estudos Climáticos - CPTEC, bem como no Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE e no Instituto Nacional de
Meteorologia - INMET, com o propósito de entender melhor de que forma
esses fenômenos se irradiam no oceano; acompanhar de perto as previsões
de suas ocorrências e seus impactos na agricultura e, o mais importante,
averiguar a estreita relação existente entre as ações desses fenômenos
com a ocorrência de precipitações no sertão nordestino.
El Niño e La
Niña são fases distintas - quente e fria - de um movimento oscilatório
resultante da interação entre o oceano e a atmosfera. É mais uma força
da natureza com leis e dinâmicas próprias, cujos fundamentos os
cientistas desconhecem, razão pela qual é impossível, ainda, se prever o
início de um e o fim do outro, e vice-versa.
O fenômeno La Niña
ocorre, na maioria das vezes, ao final da ocorrência de um El Niño,
funcionando através de uma espécie de inércia de reacomodação não
regular, que foge aos padrões normais, através do esfriamento das águas a
leste do Pacífico, nas costas do Peru, formando um bolsão, com as águas
do oceano atingindo uma temperatura entre 3 a 3,5° C abaixo da sua
média normal. Ventos alísios fortes "empilham" águas quentes no extremo
oposto, a oeste, na Ásia, alterando sobremaneira a circulação dos ventos
e da atmosfera em todo o planeta. Mesmo sendo considerado um fenômeno
de intensa energia, os cientistas acreditam que seus efeitos, em regra
geral, são menos danosos ao ambiente do que os do El Niño.
Uma
fonte de propagação para a irradiação do fenômeno La Niña são as
correntes de ar, também chamadas de jet-stream. Elas sopram a 400
quilômetros por hora no sentido horizontal da Terra, a 50 quilômetros de
altura. No Brasil, cortam o país na região Sudeste, entre os estados de
São Paulo e o Paraná. Quando ocorre El Niño, as diferenças de
temperatura entre o Pólo Sul e o Equador se acentuam. Essa diferenças
térmicas provocam deslocamentos de ar enriquecendo as jet-stream. Elas,
por sua vez, se transformam então numa espécie de barreira de ar capaz
de anular o avanço das frentes frias, que ficam estacionadas no sul do
país, ocorrendo chuvas torrenciais. Com o fenômeno La Niña, dá-se o
inverso. O resfriamento das águas do Pacífico diminui as diferenças de
temperaturas entre o Equador e o Pólo, enfraquecendo as jet-stream,
fazendo com que as frentes frias passem rapidamente pelo Sul do país,
tornando as distribuições regionais das chuvas bastante irregulares.
Nesse caso, poderão ocorrer longos períodos de estiagem no Sul e chuvas
abundantes no Norte e Nordeste.
Nem sempre um El Niño é seguido
de uma La Niña e, nem sempre, essa seqüência é seguida por uma
regularidade precisa. Existem casos em que a fase fria segue
imediatamente a quente. Em outros casos, essa fase pode levar até mais
de um ano para se instalar. Nos últimos 20 anos, o Pacífico permaneceu
35% do tempo com o El Niño instalado, 23% do período com La Niña e nos
42% restantes, a sua temperatura permaneceu dentro da média. A
variabilidade de aspectos existentes entre diferentes ocorrências dos
fenômenos El Niño e La Niña é a tônica principal sobre a qual se
envolvem os pesquisadores e especialistas do mundo inteiro. A única
certeza, por enquanto, é que cada El Niño tem a sua própria
característica e que jamais se confunde com a de uma ocorrência
anterior. Isso é mais um complicador para os que tentam estabelecer
linhas de periodicidade entre eles.
O INMET analisou os últimos
seis eventos da La Niña (78/79, 81/82, 85/86, 87/88, 90/91 e 95/96) e
comparou o desempenho agrícola gaúcho. Nesses casos, as safras de soja e
milho sofreram queda de 28 a 40% e de 25 a 35%, respectivamente. A
produtividade média do milho no Rio Grande do Sul, nesses anos, diminuiu
em cerca de 36% por ha; a da soja caiu em 50%. Em 95/96, por exemplo,
houve perda de 3 milhões de toneladas de grãos. As precipitações no
período dezembro/fevereiro ficaram muito abaixo do necessário para o
desenvolvimento normal dessas lavouras.
As previsões de
ocorrência de chuvas no sertão nordestino em situações de La Niña
passam, necessariamente, pela ação dos ventos alísios através da
concentração e formação de nuvens no litoral do Nordeste. O encontro
dessas nuvens com o ar frio que avança pelo Atlântico caracteriza o que
os cientistas chamam de dipolo favorável com possibilidades de
precipitações normais no semi-árido entre fevereiro e maio. Esse
aspecto, no entanto, não garante em 100% a volta das precipitações
normais na caatinga. O fator decisivo que influencia o clima do Nordeste
é a estrutura térmica do Oceano Atlântico. E ela tem ciclos periódicos
de registro. Alguns, com intervalos longos, de 10 a 15 anos, que podem
modificar as tendências mais gerais da atmosfera no tocante às
precipitações. O conhecimento da ciência sobre o Atlântico ainda é
inferior ao do Pacífico que, desde o El Niño de 82/83, conta com 69
bóias-sonda instaladas em sua faixa equatorial, para monitorar a
estrutura térmica do mar até 700 metros de profundidade. Agora, graças
ao Projeto Pirata (uma cooperação técnica Brasil/França/Estados Unidos),
o Atlântico Sul passa a dispor também desse recurso. Dezesseis bóias
com sensores eletrônicos estão sendo distribuídas nas suas águas. Com
elas, um velho enigma poderá ser elucidado no futuro: o elo de ligação
entre o sertão e o mar.